14 de out. de 2010

Feridos em nome de Deus


Por: Marília de Camargo César

"Quando a fé se deixa manipular, pessoas viram presas fáceis de toda sorte de abuso. A confiança autêntica e sincera em Deus é gradualmente substituída pela submissão acrítica aos desmandos de lideranças despreparadas."

Carentes de acolhimento são habilmente capturados pela manipulação emocional de líderes medíocres de plantão e ambos seguem de braços dados experimentando uma religiosidade fútil e meritória, barganhando a todo momento com Deus."

"Por ser uma religiosidade descaracterizada de uma adoração sincera, mais cedo ou mais tarde o castelo de cartas desmorona deixando feridas abertas pelo caminho."

*"Pastores são acusados de manter escravos em Minas"
Folha de São Paulo, 23 de agosto de 2006.

Pastores evangélicos acusados de aliciar fiéis de São Paulo para o trabalho escravo em fazendas no sul de Minas Gerais podem ter a prisão preventiva pedida nas próximas semanas. Eles negam as acusações e se dizem vítimas de perseguição.

Cícero Vicente Araújo e Edmilson Pereira da Silva, pastores do Tatuapé (zona leste) que fundaram em 1998 a igreja Jesus, a verdade que marca, teriam movimentado R$ 10 milhões em bens adquiridos com doações não declaradas de fiéis paulistas.

Eles compraram imóveis, terras, estabelecimentos comerciais, carros e rádios clandestinas em Minduri, Andrelândia, Caxambu, Cruzília e São Vicente de Minas. Eles foram indiciados por estelionato e ocultação de bens. O promotor de Caxambu (MG), Bérgson Cardoso Guimarães, disse ontem que vai dar início à ação penal contra eles, denunciados à Justiça em abril pelas polícias Civil e Federal e a Promotoria. Eles arrebanharam ao menos 800 seguidores convencidos a trabalhar de graça em "refúgios espirituais no campo".

A reportagem foi ao sul de Minas após receber, no final de julho, as primeiras denúncias de ex-fiéis que abandonaram fazendas de grupo e se dizem enganados pelos pastores. Eles contam ter vendido o que tinham para adquirir, com os pastores, terras e comércios registrados em nome de pessoas sem ligação com a igreja. Também dizem que trabalhavam sem registro em carteira e recebiam só roupas e comida.

Outro lado

Por quatro dias, o pastor Estevão Ribeiro disse que o pastor Cícero Vicente Araújo comentaria as denúncias e afirmou que a reportagem poderia visitar as fazendas. "Não temos o que esconder." No entanto, Araújo se recusou a conceder uma entrevista e a reportagem não pôde visitar as fazendas.

Ribeiro, por sua vez, disse que não há trabalho escravo e que a comida servida aos fiéis é boa. No site da comunidade, www.cejvm.com.br, Araújo deixou uma mensagem, no final de 2005, quando começaram as investigações: "Colocamo-nos à disposição dos órgãos governamentais do nosso país e do Poder Judiciário para qualquer esclarecimento". "Pastores são acusados de manter escravos em Minas" Folha de São Paulo, 23 de agosto de 2006"

Uma senhora que durante alguns meses esteve envolvida com a seita-alvo dessa reportagem procurou um pastor em São Paulo para pedir um conselho. Ela estava abatida por tudo o que tinha vivido nos últimos tempos, convencida que fora pelo pastor Cícero Vicente Araújo de que vender todos os seus bens e mudar-se para o interior de Minas Gerais era a única forma de escapar da ira divina, que se manifestaria em breve com a destruição de todas as grandes cidades do Brasil.

O pastor Araújo ensinou a essa senhora e pregava a seus fiéis que eles tinham de se mudar para o campo e levar uma vida mais simples, desapegando-se das coisas materiais. Quando a notícia sobre a comunidade tomou a mídia, essa mulher caiu em si e resolveu voltar para São Paulo.

Na conversa que teve com esse conselheiro, ela confessou que ainda não tinha se desligado formalmente da comunidade porque sentia medo. Deixar a igreja Jesus, a verdade que marca, segundo as "profecias" do pastor Araújo, seria entrar "debaixo de uma maldição".

O caso da seita foi parar na justiça, e a comunidade felizmente se dissipou antes de virar uma visão tupiniquim da tragédia ocorrida em 1978, na Guiana, quando o reverendo americano Jim Jones levou 909 pessoas, isoladas na comunidade agrícola de Jonestown, a cometer suicídio coletivo, guiadas por seus ensinos apocalípticos.

Por trás de notícias bizarras como essa, está, além do fanatismo, um estilo de governo. Um sistema hierárquico que consiste num verdadeiro convite ao abuso religioso. Esse tipo de regime autocrático, centrado na figura carismática do pastor evangélico, predomina nas igrejas mais novas, em especial nas pentecostais e neopentecostais. E, nelas, facilita a ocorrência de excessos de ordem financeira, emocional e psicológica.

Fonte: Livro "Feridos em Nome de Deus" - Autora: Jornalista Marilia de Camargo Cesar, pgs. 117-119 - São Paulo, Ed. Mundo Cristão, 2009.

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